Para dar uma ideia das correlações negativas entre a depressão e o controle do diabetes, nada melhor do que um caso clínico real: Mariana (nome fictício) foi atendida em nosso serviço com uma glicemia média semanal de 476 mg/dL e uma variabilidade glicêmica, medida através do desvio padrão, de 60 mg/dL.
A depressão tem impacto nocivo sobre o controle glicêmico e o diabetes mal controlado intensifica os sintomas depressivos
Para dar uma ideia das correlações negativas entre a depressão e o controle do diabetes, nada melhor do que um caso clínico real: Mariana (nome fictício) foi atendida em nosso serviço com uma glicemia média semanal de 476 mg/dL e uma variabilidade glicêmica, medida através do desvio padrão, de 60 mg/dL. Mulher sofrida, com sérios problemas familiares que incluíam alcoolismo e violência doméstica, manifestou claramente sua conformidade com o fato de nunca ter controlado seu diabetes, alegando que as consequências desse fato eram irrelevantes diante dos problemas que enfrentava.
Os esforços educacionais da equipe multidisciplinar conseguiram convencê-la a, pelo menos, tentar seguir as novas orientações para ajudá-la a obter o necessário controle glicêmico que, por sua vez, iria contribuir para a melhoria de seu depressivo estado emocional. Contra todas as expectativas, ela aderiu totalmente ao tratamento e às orientações educacionais recebidas e, depois de apenas três semanas, conseguiu atingir, pela primeira vez na vida, o controle do diabetes, reduzindo a glicemia média semanal para 99 mg/dL e a variabilidade glicêmica para 34 mg/dL, como mostra o gráfico de perfil glicêmico a seguir.
Diante do sucesso obtido em sua tentativa desesperada de recuperar sua autoestima, Mariana sofreu uma completa transformação: pela primeira vez, mostrou um sorriso de satisfação pela conquista. Antes, um pouco descuidada com sua aparência pessoal, cortou os cabelos para um visual mais moderno e passou a investir numa aparência mais jovial e mais saudável.
De poucas palavras no início, passou a se relacionar muito melhor com a equipe e com seus companheiros de ambulatório. Abandonou o pessimismo crônico e começou a manifestar esperanças de uma vida melhor. Enfim, aquela sua conquista pessoal foi decisiva para vencer o estado depressivo que a dominava.
Mariana era outra pessoa durante todo o período de acompanhamento de várias semanas. Entretanto, é preciso ser realista. Seus problemas não desapareceram por milagre, mas a alegria da conquista mudou para muito melhor suas perspectivas de vida.
Para avaliar os impactos recíprocos entre depressão e diabetes do tipo 1 e do tipo 2, Anderson e colaboradores publicaram uma metanálise sobre a prevalência da depressão em adultos com diabetes [1]. Segundo esses autores, a depressão está associada à hiperglicemia e a um risco aumentado de complicações do diabetes.
No sentido oposto, o alívio da depressão associa-se a uma melhora significativa do controle glicêmico. A metanálise incluiu 42 estudos e mostrou que a probabilidade de depressão na população diabética foi duas vezes maior do que a da população não diabética. Mostrou ainda que a prevalência de depressão foi significativamente maior em mulheres diabéticas (28%) do que em homens (18%).
A American Diabetes Association publica uma orientação geral sobre o problema da depressão em portadores de diabetes [2], na qual ressalta os seguintes pontos:
- Sentir-se triste de vez em quando é normal. Mas, algumas pessoas sentem tristeza, aparentemente sem causa, que simplesmente não desaparece. Sentindo-se assim na maior parte do dia, durante duas semanas ou mais, pode ser um sinal importante de depressão.
- Estudos clínicos demonstram que portadores de diabetes têm um risco maior de depressão, embora não haja explicações fáceis para esse fato.
- Quando o paciente não consegue obter o controle glicêmico, ou quando enfrenta as complicações do diabetes, ele “se convence” de que perdeu o controle sobre a doença.
- A depressão pode promover um ciclo vicioso, prejudicando o controle da doença e dificultando a realização de tarefas necessárias para atingir o bom controle glicêmico.
- A falta de controle glicêmico pode levar a sintomas que simulam a depressão. Níveis muito altos ou muito baixos de glicemia podem promover a sensação de cansaço e ansiedade.
- Sempre que possível, uma orientação de profissional especializado em saúde mental e com experiência em diabetes pode ajudar bastante. O tratamento com antidepressivos pode ser necessário e, para tal, um profissional médico deve ser consultado.
- Na presença de sintomas de depressão, não se deve esperar muito para buscar ajuda. Procure informar-se mais sobre a doença e procure serviços multidisciplinares de atenção ao portador de diabetes.
O diagnóstico precoce da depressão pode acelerar seu tratamento. Portanto, esteja atendo aos sinais mais comumente encontrados já nas fases iniciais do processo depressivo:
- Perda da sensação de prazer em fazer coisas que você costumava gostar.
- Tristeza sem causa aparente, principalmente pela manhã.
- Alteração nos hábitos de sono. Despertar precoce e dificuldade em voltar a dormir.
- Alterações importantes no apetite, para mais ou para menos.
- Dificuldade de concentração.
- Sensação de cansaço e perda de energia.
- Ansiedade, nervosismo ou sentimento de culpa.
- Pensamentos suicidas ou de autoagressão.
A presença de três ou mais desses sintomas, ou de apenas um ou dois sintomas, mas associados a uma sensação de tristeza por duas semanas ou mais, indica a necessidade do paciente aceitar que esteja em estado depressivo e, por isso, deve buscar ajuda com profissionais especializados e competentes na assistência ao portador de diabetes.
Referências Bibliográficas
1. Anderson RJ et al. The Prevalence of Comorbid Depression in Adults With Diabetes. Diabetes Care 24:1069-1078, 2001.
2. American Diabetes Association. Depression. Disponível em: http://www.diabetes.org/type-1-diabetes/depression.jsp. Acesso em 13 de fevereiro de 2009.