A equipe de psicologia no acampamento de férias para crianças e adolescentes com diabetes

Os acampamentos para pessoas com diabetes são realizados em diversos países. No Brasil, há 40 anos existe o acampamento educativo para crianças e adolescentes com diagnóstico de diabetes mellitus tipo 1, que é realizado no Nosso Recanto – NR, em parceria com a ADJ Diabetes Brasil e a Universidade Federal de São Paulo.

O Acampamento de férias para crianças e jovens com diabetes acontece anualmente, com duração de sete dias e cinco noites e reúne uma equipe multiprofissional de médicos, enfermeiros, psicólogos, nutricionistas, dentistas, fisiologistas do exercício, monitores de acampamento e jovens líderes. O papel de cada equipe é bem definido, com planejamento de intervenções e de atividades recreativas.

O presente texto tem como objetivo descrever as intervenções psicológicas que são realizadas antes, durante e depois do acampamento.

Antes da temporada, as crianças, os jovens e seus familiares passam por um processo preliminar de avaliação que decidirá se irão ou não participar da temporada. Cabe aos psicólogos oferecer acolhimento psicológico e esclarecimento de dúvidas. Geralmente, as dificuldades se referem ao medo e à insegurança de viver uma experiência totalmente diferente da rotina que se vive.

No dia da partida, quando as crianças e os adolescentes vão para o acampamento, todos os familiares são convidados para participar de uma reunião. Essa tem como objetivo de apresentar a proposta do acampamento e esclarecer todas as dúvidas dos familiares. Especificamente os psicólogos realizam dinâmicas de grupo fundamentadas nas técnicas do psicodrama. A proposta é convidar os familiares a entrar em contato com as situações diárias do enfrentamento do diabetes. Essa experiência realizada por todos os participantes, em grupos distintos, tem se revelado uma experiência muito rica para todos. Pois, cada grupo dramatiza situações diferentes e cada pessoa faz o papel de um personagem. Dessa forma, uma mãe protagoniza a filha ou o filho o que possibilita muitas reflexões. Essas, muitas vezes, geram importantes transformações na vida diária dessas pessoas conforme observou-se em vários relatos de familiares, após o acampamento.

Durante o acampamento há uma imersão dos acampantes e equipes em todas as atividades educativas e recreativas. A relação com a saúde e com o tratamento do diabetes é contígua à recreação, o que confere à intervenção um caráter biopsicossocial, além de ser muito agradável e intensa para os acampantes e as equipes. A equipe de psicologia permanece em tempo integral com os acampantes, exceto quando ocorrem as reuniões interdisciplinares e da equipe de psicologia.

É no acampamento que a equipe de psicologia discute as necessidades psicológicas dos acampantes e planeja as intervenções necessárias. Dessa forma, em parceria com todas as equipes, torna-se possível que as crianças e os jovens aproveitem a estadia no acampamento da melhor forma o possível. Isso contempla a educação em diabetes, o convívio e o lazer. Os acampantes podem fazer desses dias um tempo e uma experiência inesquecíveis.

As intervenções protagonizadas por psicólogos para os acampantes são dirigidas às fantasias, aos medos e às expectativas. Esses medos e dúvidas geralmente relacionam-se ao fato de, em muitos casos, após o diagnóstico do diabetes, essas crianças e jovens nunca terem se separado dos familiares; ou por nunca terem dormido fora de casa; ou pela insegurança dos cuidadores em relação aos cuidados que os jovens receberão; ou se conseguirão ter uma adaptação que promova bem-estar.

A coordenação da equipe de psicologia da temporada faz reuniões no período anterior, durante e posterior ao acampamento. Essas reuniões são realizadas com o objetivo de instrumentalizar a equipe para capacitá-la ao trabalho, geralmente uma situação inédita para a maioria dos psicólogos e estagiários que compõem a equipe. Outro aspecto importante para a equipe de psicologia é o conhecimento da dinâmica do acampamento, possibilidades de intervenções e informações prévias sobre as principais características dos acampantes conforme a descrição das fichas preenchidas pela equipe de saúde e pelos pais.

Em relação às crianças e aos adolescentes, cabe aos psicólogos lidar com sentimentos, medos, culpas, construir horizontes e possibilidades de ressignificação dos aspectos relacionados ao diabetes. As intervenções psicológicas são realizadas individualmente e/ou em grupos. Conhecer como solucionam problemas e os resolvem, quais os papéis que eles cumprem nas suas relações interpessoais que facilitam ou dificultam uma adaptação à vida diária e, especialmente, na temporada do acampamento.

O acampamento é, geralmente, para o acampante uma pausa da fadiga, do desencorajamento e das dificuldades do tratamento. É nessa pausa que é possível criar uma nova situação, que transforma aspectos destrutivos em construtivos. Essa transformação mobiliza nova energia para a vida e, principalmente, para o tratamento com menos sofrimento e mais eficiência. Cabe, também, reconhecer que deve haver um acompanhamento pós acampamento para a solidificação desse processo.

A alegria, a felicidade, o conhecimento e a prática realizada no acampamento possibilitam um novo modo de vida. Espera-se que haja uma manutenção desse novo modo de vida e novas ideias possam surgir. Para alguns jovens, o acampamento evidencia as preocupações de como estão se cuidando e sinaliza que um novo caminho pode ser seguido.

É muito útil, em um tom construtivo, oferecer compreensão, sugestões e pistas para as dificuldades, e ouvir: “Eu nem sabia que meu diabetes poderia ficar assim (dentro das metas glicêmicas)”. Espera-se que os acampantes possam usufruir das contribuições de todas as equipes no futuro.

No último dia da temporada parte das equipes de psicologia e medicina retornam para uma reunião com os pais. Cabe à equipe de psicologia fazer encaminhamentos conforme as necessidades que foram detectadas e dar devolutivas sobre a experiência da temporada. Essa é mais uma oportunidade que os profissionais da psicologia têm de entrar novamente em contato com os familiares e fazer encaminhamentos com o objetivo de ajudar na manutenção do equilíbrio psíquico.

Finalmente, cabe apontar, que espera-se que os acampantes possam, a partir da experiência do acampamento, acreditar que, apesar do diabetes, é possível ter uma vida feliz e saudável. Não se trata de excluir a realidade e todas as dificuldades que existem na vida das pessoas. Mas, sim evidenciar uma realidade que pode ser experiência positiva e mostrar que os problemas podem ser resolvidos de modo a melhorar a vida destes acampantes. O trabalho educativo em DM deve ser realizado de forma continuada. Todos os conhecimentos e experiências vivenciadas devem ser cultivados e ampliados por todos os envolvidos neste rico processo.

Bibliografia

CAPLAN, G. Princípios de Psiquiatria Preventiva. Psyche: Zahar, 1964.
ENGEL, G.L. The need for a new medical model: a challenge for biomedicine. Science, 196, 1977.
HELENO, M.G.V. et al . Acampamento de férias para jovens com Diabetes Mellitus Tipo 1: Achados da abordagem psicológica. Bol. psicol, São Paulo, v. 59, n. 130, p. 77-90, jun. 2009. Disponível em : http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0006-59432009000100007&lng=pt&nrm=iso Acesso em: 11 ago 2020.

Glaucia Margonari Bechara Rodrigues
  • Coordenadora Departamento de Psicologia da Sociedade Brasileira de Diabetes Gestão 2020-2021

 

 

Maria Geralda Viana Heleno
  • Psicóloga (1978) com mestrado em Psicologia da Saúde pela Universidade Metodista de São Paulo (1992) e doutorado em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo (2000)
  • Atualmente é presidente da Associação Brasileira de Psicologia da Saúde.
  • Participa na coordenação da equipe de psicologia do Acampamento ADJ-NR desde 1996.
  • Tem experiência em pesquisa na área de Psicologia da Saúde.