O Diabetes é uma doença muito antiga com suas primeiras descrições datando de milhares de anos atrás. Uma das mais icônicas é a de Aretaeus da Capadócia. Ele descreveu o doente como que se desfazendo em líquido e que a água ingerida saía do corpo rapidamente, como se passasse por um sifão (diabetes em grego significa sifão). Hoje sabemos que esses sintomas de desidratação e perda de peso com aumento da fome são as características marcantes do Diabetes tipo 1.
O Diabetes já foi classificado de diversas formas, dentre elas, por idade e principalmente, pelo peso. Hoje em dia adotamos as duas principais classes de diabetes como tipo 1 e 2 (DM1 e DM2), relativos principalmente a sua fisiopatologia. Nos casos de DM2, a principal causa é a resistência à insulina, devido ao excesso de peso. Já nos casos de DM1, a falência primária é na produção pancreática de insulina, de origem autoimune. Os casos de DM1 são ainda muito associados à infância, apesar de hoje sabermos que mais da metade dos diagnósticos de diabetes autoimune é feito após a idade adulta. A epidemia de obesidade fez com que DM2 fosse diagnosticado em uma idade mais precoce e, ao mesmo tempo, que indivíduos com DM1 manifestem a doença em concomitância ao excesso de peso.
Muitos profissionais e pacientes ainda estão acostumados a pensar em diabetes por critérios de idade: jovens são portadores de DM1 e adultos de DM2. Não é incomum vermos adultos com sintomas clássicos de deficiência insulínica como aumento do volume urinário e da ingestão de água, fraqueza muscular e perda de peso importante sendo diagnosticados e tratados como DM2. Frequentemente são indivíduos de peso normal ou pouco elevado, sem história familiar de diabetes e que apresentam elevação rápida e importante da glicemia, em poucos meses. São muitas vezes tratados com drogas orais, no esquema de tratamento para DM2, e tem sua insulinização atrasada por anos. É comum ainda que a falha terapêutica seja associada a má adesão às mudanças de estilo de vida, o que pode levar a um desgaste da relação médico-paciente.
Deve-se estar atento para o fato de a maioria dos indivíduos com essa apresentação clínica serem, na verdade, portadores de uma forma mais latente de diabetes autoimune, o diabetes tipo 1. Por apresentarem hiperglicemia somente na idade adulta, a destruição imune das células produtoras de insulina normalmente é mais indolente. Inclusive, ao diagnóstico, muitos ainda têm uma boa reserva na produção de insulina, que pode responder ao tratamento com secretagogos de insulina como as sulfoniluréias, mas a progressão da doença leva a uma necessidade de insulinização rápida, em alguns meses ou poucos anos. Por ser um processo autoimune mais latente, são conhecidos pelo diagnóstico de LADA (do inglês, Latent Autoimmune Diabetes of the Adult). Na verdade nada mais são que diabéticos do tipo 1 manifestando a doença em idade adulta. A grande maioria possui níveis elevados de anticorpos plasmáticos contra as células produtoras de insulina, mas estes testes não são solicitados ou não estão disponíveis em muitas ocasiões.
Os pacientes sofrem até encontrarem o tratamento mais apropriado (que no caso, é a insulinização precoce e intensiva, como em qualquer caso de DM1), passando por vários medicamentos e profissionais diferentes, uma verdadeira saga, por vezes com riscos de complicações mais graves devido à falta de insulina, como a cetoacidose diabética.
É preciso ter conhecimento de que independentemente da idade ou resultados de exames, pacientes com essas manifestações cardinais de deficiência insulínica devem ser insulinizados precocemente e o médico deve estar atento para o diagnóstico de LADA (DM1). Além disso, se o paciente obteve controle inicial com secretagogos, deve ser orientado de que a evolução natural provavelmente será para necessidade de insulina em pouco tempo e que pode ocorrer descompensação súbita da glicemia, devendo procurar o médico o mais rápido possível. Assim, evitamos surpresas e recusas na hora em que a reserva própria de insulina do paciente se esgota.
Desta forma, podemos impedir o aparecimento das complicações agudas e crônicas da doença, tornando a jornada dos pacientes adultos portadores de DM1 um pouco menos turbulenta.
Dr. Arnaldo Moura Neto
- Médico Endocrinologista formado pela Unicamp
- Mestre em Clínica Médica e doutorando em Clínica Médica pela Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp
- Especialista em endocrinologia pela SBEM e membro da SBD
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