Aspectos psicológicos e adesão ao tratamento de Diabetes Mellitus

Diabetes Mellitus é um grupo de desordens orgânicas, caracterizado por um problema no metabolismo de glicose, decorrente de uma falta total ou parcial de insulina – um hormônio produzido pelo pâncreas. As duas formas mais comuns são o diabetes tipo 1 (DM1) – que tipicamente acomete crianças, adolescentes e adultos jovens – e o tipo 2 (DM2), responsável por 90% a 95% de todos os casos de diabetes, geralmente em pessoas com mais de 40 anos de idade (Mayer-Davis et al., 2018).

Fani Eta Korn Malerbi

Glaucia Margonari Bechara Rodrigues

Departamento de Psicologia da Sociedade Brasileira de Diabetes

Diabetes Mellitus é um grupo de desordens orgânicas, caracterizado por um problema no metabolismo de glicose, decorrente de uma falta total ou parcial de insulina – um hormônio produzido pelo pâncreas. As duas formas mais comuns são o diabetes tipo 1 (DM1) – que tipicamente acomete crianças, adolescentes e adultos jovens – e o tipo 2 (DM2), responsável por 90% a 95% de todos os casos de diabetes, geralmente em pessoas com mais de 40 anos de idade (Mayer-Davis et al., 2018).

No DM1, uma doença autoimune, há destruição das células pancreáticas responsáveis pela secreção de insulina. Esse tipo de diabetes requer o uso de insulina exógena para manter a vida. No DM2 o corpo é insensível à insulina e/ou a secreção de insulina é insuficiente e seu tratamento pode envolver comprimidos orais e/ou insulina.

O diabetes pode aparecer também durante a gravidez já que ocorrem adaptações na produção hormonal materna para permitir o desenvolvimento do bebê. A placenta é uma fonte importante de hormônios que reduzem a ação da insulina. O pâncreas materno, consequentemente, aumenta a produção de insulina para compensar este quadro de resistência à sua ação. Em algumas mulheres, entretanto, este processo não ocorre e elas desenvolvem o diabetes gestacional, caracterizado pelo aumento de glicose no sangue (Sociedade Brasileira de Diabetes [SBD], 2020).

Nos diferentes tipos de diabetes o tratamento visa manter a glicemia (taxa de glicose no sangue) em níveis próximos aos esperados para as pessoas sem a doença. Todas as pessoas com diabetes são aconselhadas a ter uma alimentação saudável, a tomar medicamentos e/ou aplicar insulinas, a praticar atividade física e a monitorizar seus níveis glicêmicos com a finalidade de possibilitar os ajustes apropriados (ex.: mudar a dose de insulina, a alimentação ou a prática de exercícios).

Há muito tempo considera-se que diabetes é a doença crônica que mais requer mudanças no comportamento do paciente, sendo os fatores psicológicos relevantes para todos os aspectos da doença e do seu tratamento (Fisher, Delamater, Bertelson, & Kirkley, 1982). Os processos metabólicos que acontecem automaticamente em pessoas saudáveis devem ser regulados por quem apresenta diabetes. Muitos autores consideram o diabetes como um processo comportamental de auto-regulação (GonderFrederick, & Cox, 1991; Wing, Epstein, Nowalk, & Lamparski, 1986).

Os aspectos psicológicos do diabetes começaram a ser pesquisados há cerca de 40 anos atrás. Isto aconteceu paralelamente ao fortalecimento da ideia de que controlar os níveis de glicemia deveria ser mais do que impedir episódios agudos de ameaça à vida e ao desenvolvimento de recursos tecnológicos que possibilitaram obter medidas precisas de controle do metabolismo de glicose. Também tornou-se mais claro que as novas abordagens terapêuticas exigiam maior envolvimento no tratamento dos pacientes e das pessoas que lhes fornecem apoio em suas relações interpessoais, inclusive da equipe de saúde.

O antigo tratamento do diabetes requeria uma ou ocasionalmente duas aplicações de insulina por dia e o uso indolor de tiras reagentes na urina. Esse tratamento foi modificado a partir das recomendações do importante estudo americano que durou 10 anos intitulado Diabetes Control and Complications Trial (DCCT, 1986, 1988). As mudanças englobam várias aplicações diárias de insulina, múltiplas picadas no dedo, atenção constante na alimentação e nos exercícios físicos, além da necessidade de uma maior precaução para a possibilidade de ocorrência de hipoglicemia.

Muitas pesquisas focalizaram como minimizar os efeitos psicossociais potencialmente negativos do tratamento ao mesmo tempo em que reconheciam a importância crescente e a esperança de se evitar as complicações crônicas mantendo-se um controle rígido dos níveis glicêmicos.

Por causa das características do tratamento do diabetes que é complexo, crônico e exige participação da pessoa, a adesão ao tratamento é frequentemente pobre. É muito difícil avaliar a adesão ao tratamento porque frequentemente o profissional de saúde não fornece instruções específicas e claras. É muito comum o profissional dizer para a pessoa que ele precisa fazer mais exercícios, sem especificar que tipo de exercício e em que frequência estes devem ser feitos.

Por outro lado, o mau controle glicêmico nem sempre se deve à falta de adesão. A prescrição pode não ter sido adequada ou ter ocorrido uma insensibilidade à insulina, o que acaba resultando em frustrações e não compreensão.

Também algumas partes de tratamento podem ser mais fáceis que outras. Por exemplo, tomar medicamento parece ser mais fácil do que manter uma alimentação saudável ou realizar exercícios e, ao longo do tempo, a relação da pessoa com o seu tratamento passa por muitas transformações. Não é raro observar que há épocas de maior adesão que outras.

São inúmeras as variáveis psicológicas relevantes para o comportamento de autocuidado. Entre elas podemos citar:

Características das pessoas

Alguns estudos apontam que depressão e ansiedade estão associadas à pobre adesão ao tratamento (Krass, Schieback, Dhippayom, 2015). A habilidade do paciente em lidar com os problemas específicos que surgem com o diabetes e com o estresse psicológico interfere nos comportamentos de autocuidado (Kokoszka, 2017).

Outros fatores que interferem no autocuidado são as crenças em relação às causas do diabetes, aos sintomas de hipo ou de hiperglicemia, ao tratamento da doença, a sua gravidade, à vulnerabilidade a consequências negativas, aos benefícios e custos do tratamento e a auto-avaliação quanto à capacidade de resolver problemas (Hampson, Glasgow, & Toobert, 1990; Shahin, 2019).

Fatores sociais e familiares

Pesquisas realizadas com famílias mostram que a existência de conflitos familiares está associada com a dificuldade do indivíduo em aderir ao tratamento. Quando há coesão, organização e apoio familiares há uma melhor adesão ao tratamento e melhores resultados em crianças, adolescentes e adultos com diabetes (Miller, & Dimatteo, 2013; Young-Hyman, de Groot, Hill-Briggs, Gonzalez, Hood, & Peyrot, 2016).

Quanto à relação médico-paciente, pesquisas têm mostrado que pessoas que não têm interesse em discutir seu tratamento com a equipe de saúde e ficam muito tempo sem procurar os profissionais de saúde tendem a apresentar um pior controle glicêmico (Ciechanowski, Katon; Russo, & Walker, 2001).

Fatores ambientais e comportamentais

O custo do tratamento, o tempo despendido, a falta de disponibilidade de recursos e as solicitações competidoras (como por exemplo, jantares de negócio) estão associados com uma pobre adesão ao tratamento (Daly, Hartz, Xu, Levy, James, Merchant, & Garrett, 2009).

Algumas consequências do próprio tratamento do diabetes também podem ter um impacto negativo na adesão ao tratamento como o aumento do risco de hipoglicemia ou o ganho de peso associados à insulinoterapia intensiva (Cox & Gonder-Frederick, 1992).

Os resultados da auto-monitorização também podem funcionar como uma punição se as medidas de glicemia indicarem frequentemente glicemias fora do esperado. Isto pode fazer com que a pessoa só realize os testes nos dias em que seguiu corretamente o tratamento (Jones, 1990).

Conclusão

O tratamento adequado do diabetes requer importantes mudanças no estilo de vida da pessoa, a participação de seus familiares e uma boa relação com a equipe de saúde. A adesão ao tratamento pode variar em função dos comportamentos de autocuidado e ao longo do tempo.

A adesão ao tratamento é um aspecto fundamental no manejo do diabetes e identificar as variáveis que a influenciam, particularmente as variáveis psicológicas, é extremamente importante para que o paciente tenha sucesso no seu tratamento.

Referências

Ciechanowski PS; Katon WJ; Russo JE, & Walker EA (2001). The patient-provider relationship: attachment theory and adherence to treatment in diabetes.The American Journal of Psychiatry. Publicado Online:1 Jan 2001 https://doi.org/10.1176/appi.ajp.158.1.29

Cox, D. J., & Gonder-Frederick, L. (1992). Major developments in behavioral diabetes research. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 60(4), 628- 638.https://doi.org/10.1037/0022-006X.60.4.628

Daly JM; Hartz A J; Xu Y; Levy BT; James PA; Merchant ML, & Garrett RE (2009) An assessment of attitudes, behaviors, and outcomes of patients with type 2 diabetes. The Journal of the American Board of Family Medicine, 22 (3) 280-290; DOI: 10.3122/jabfm.2009.03.080114

DCCT Research Group. (1986). The Diabetes Control and Complications Trial (DCCT): Design and methodologic considerations for the feasibility phase. Diabetes Care, 35, 530-545.

DCCT Research Group. (1988). Reliability and validity of a diabetes quality-of-Iife measure for the Diabetes Control and Complications Trial (DCCT). Diabetes Care, 11, 725-732.

Fisher, E. B., Delamater, A. M., Bertelson, A. D, & Kirkley, B. G. (1982). Psychological factors in diabetes and its treatment. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 50, 993-1003.

Gonder-Frederick, L. A., & Cox, D. J. (1991). Symptom perception, symptom beliefs, and blood glucose discrimination in the self-treatment of insulin-dependent diabetes. In J. A. Skelton and R. T. Croyle (Eds.), Mental representation in health and illness (pp. 217-246). New York: Springer-Verlag.

Hampson, S. E., Glasgow, R. E., & Toobert, D. J. (1990). Personal models of diabetes and their relation to self-care activities. Health Psychology,9, 632-646.

Jones, P. M. (1990). Use of a course on self-control behavior techniques to increase adherence to prescribed frequency for self-monitoring blood glucose. Diabetes Educator, 16, 296-303.

Kokoszka A. (2017). Treatment adherence in patients with type 2 diabetes mellitus correlates with different coping styles, low perception of self-influence on disease, and depressive symptoms. Patient Prefer Adherence. 11:587-595. doi:10.2147/PPA.S124605

Krass I, Schieback P, Dhippayom T. (2015).Adherence to diabetes medication: a systematic review. Diabet Med. 32(6):725-737. doi:10.1111/dme.12651

Mayer-Davis, E. J., Kahkoska, A. R., Jefferies, C., Dabelea, D., Balde, N., Gong, C. X., Aschner, P., Craig, M. E. (2018). ISPAD Clinical Practice Consensus Guidelines 2018: Definition, epidemiology, and classification of diabetes in children and adolescents. Pediatric Diabetes, 19 (Suppl. 27):7–19. https://doi.org/10.1111/pedi.12773

Miller, T. A., & Dimatteo, M. R. (2013). Importance of family/social support and impact on adherence to diabetic therapy. Diabetes, metabolic syndrome and obesity : targets and therapy, 6, 421–426. https://doi.org/10.2147/DMSO.S36368

Sociedade Brasileira de Diabetes [SBD] (2020). Zajdenverg, L. Diabetes gestacional retirado de https://www.diabetes.org.br/publico/diabetes-gestacional em 02/07/2020.

Shahin W, Kennedy GA, Stupans I. (2019). The impact of personal and cultural beliefs on medication adherence of patients with chronic illnesses: a systematic review. Patient Prefer Adherence. 13:1019-1035. Published 2019 Jul 1. doi:10.2147/PPA.S212046

Wing, R. R, Epstein, L. H., Nowalk, M. P., & Lamparski, D. M. (1986). Behavioral self-regulation in the treatment of patients with diabetes mellitus. Psychological Bulletin, 99, 78-89.

Young-Hyman, D; de Groot, M ; Hill-Briggs, F; Gonzalez, J S; Korey Hood, K & Peyrot, M (2016) Psychosocial Care for People With Diabetes: A Position Statement of the American Diabetes Association. Diabetes Care 39 (12) 2126-2140; DOI: 10.2337/dc16-2053