Em 2016, foi publicada na revista Mayo Clinic Proceedings um estudo multicêntrico sobre aspectos da insulinoterapia. O estudo apresenta os resultados obtidos com o Injection Techinique Questionnaire (ITQ), usado desde 1995 para traçar o perfil epidemiológico dos usuários de insulina sobre técnica de injeção, interações e associações com o controle glicêmico, além de aspectos psicossociais. Participaram deste questionário 13.289 pessoas com diabetes, de 423 centros em 42 países, o que o caracteriza como o maior inquérito internacional realizado com esse propósito. Neste artigo, os experts do FITTER apresentam as complicações relacionadas à injeção de insulina e o papel do profissional de saúde.
Ao questionar sobre edema ou caroços embaixo da pele dos locais que comumente aplicam insulina, quase um terço dos participantes respondeu que notou sim essas lesões no período de até um ano antes da entrevista. As enfermeiras envolvidas nesse estudo examinaram os locais de aplicação, por inspeção visual e palpação, e encontraram sinais de lipohipertrofia em 30,8% dos casos. Destes, a presença de lipo foi duas vezes mais frequente em pessoas com diabetes tipo 1 e praticamente inexistente naquelas com diabetes gestacional. 14% das lipohipertrofias puderam ser sentidas à palpação, mas não visualizadas à inspeção. A extensão destes sinais de lipo variaram em média de 35mm nos braços e 50mm nos glúteos, e, quando as enfermeiras detectavam esses sinais, perguntavam ao paciente se eles continuavam a aplicar nestes locais: 44% afirmou que sim.
Quando questionados sobre o motivo de continuarem a aplicar nestes locais com lesão, 35% alegou fazer por hábito. Houve uma forte associação entre a presença de lipohipertrofia e a dose total de insulina diária, porém, nesse estudo não foi possível identificar se essa associação é menor de acordo com o tipo de insulina que o paciente usa, ou seja, se é possível que algum tipo de insulina possa proteger o paciente da lipohipertrofia. A presença de lipo foi associada a maior taxa de hemoglobina glicada, maior ocorrência de hipoglicemias assintomáticas e maior número de episódios de cetoacidose. Houve também associação com rodízio incorreto dos locais de aplicação, uso de áreas menores para a aplicação de insulina, uso prolongado da insulina e o reuso das agulhas em canetas. Sobre o reuso, o estudo ressalta que, quanto maior o número de vezes que essa agulha é reutilizada, maior é o número de casos de lipo encontrados e maior é a extensão da lesão. As análises estatísticas revelaram que os fatores mais importantes associados à ocorrência de lipohipertrofia foram o rodízio incorreto e o número de anos em insulinoterapia.
Os autores consideraram o rodízio correto sempre que aplicavam a insulina 1cm distante do local da última injeção. O rodízio correto se mostrou associado à redução da hemoglobina glicada, assim como o exame rotineiro destes locais por parte dos profissionais de saúde. A propensão dos pacientes em realizar o rodizio de forma correta foi maior naqueles que receberam orientações sobre a técnica de aplicação nos últimos seis meses.
60% dos respondentes relatou raros hematomas e ocorrência de sangramento ao aplicar a insulina. Eles também disseram sentir dor em mais da metade das vezes que precisam aplicar insulina, sendo mais comum em crianças, adolescentes e mulheres com DM1. A dor foi associada a diversos fatores sem causa direta conhecida, como injetar a insulina por cima da roupa, injetar a insulina em temperatura gelada (ou assim que retira da geladeira), reuso de agulhas, entre outros. 37% reportou extravasamento ou refluxo da insulina na pele, observado após a aplicação, mais frequente em pessoas com DM1, pessoas que aplicam no local com lipohipertrofia, não aguardam 10 segundos para retirar a agulha da pele ou não fazem o rodízio dos locais de forma correta. O estudo revela que quanto mais tempo o paciente deixa a agulha dentro da pele, após pressionar o botão injetor da caneta, menor é a ocorrência de extravasamento.
Sobre o papel dos profissionais, o questionário mostra que o enfermeiro que atua na educação em diabetes é quem mais realiza o treinamento para a aplicação de insulina. Apesar de muitos relatarem que tiveram os locais de aplicação examinados em alguma consulta, quase 40% não lembra de ter sido examinado. Sobre os assuntos que os pacientes não se lembram de ter sido orientados, os três mais citados foram:
– Espessura da pele e profundidade adequada da injeção;
– Mistura de insulinas na seringa (para usuários de seringas);
– Descarte seguro de perfurocortantes (agulhas de canetas/seringas);
Sobre os locais de aplicação, as respostas dos questionários demonstraram que quanto mais novo o paciente, maior a chance dele examinar o local de aplicação diariamente antes da injeção, maior nos casos de diabetes gestacional e menor nos casos de DM2. O estudo ressaltou que os níveis de hemoglobina glicada apresentaram diferenças de acordo com quem orientou o paciente, sendo os menores valores de glicada associado as orientações feitas por enfermeiras. A inclusão da inspeção do local de aplicação no exame físico realizado nas consultas de rotina demonstrou associação com número inferior de lipohipertrofia, e maior adesão ao rodizio de aplicação, principalmente quando a orientação ocorreu nos últimos 6 meses. Quanto mais recente a orientação, menor a taxa de reuso de agulhas e menor número de internações por hipoglicemia.
Os autores comentam que o dado sobre o aumento nos índices de lipohipertrofia condiz com o aprimoramento do instrumento, que passou a delimitar melhor o período investigado. Os dados preocupantes da variabilidade glicêmica nos casos de lipohipertrofia são pontos fortes destacados nesse artigo. Devem ser desenvolvidos treinamentos e estratégias educativas sobre rodizio de locais de aplicação e reuso de agulhas, já que essas duas práticas mostraram estar associadas a necessidade de maiores doses de insulina, o que leva a maior custo para o sistema de saúde aliado a piores resultados clínicos.
O enfermeiro que atua na educação em diabetes tem um papel fundamental nessa orientação, e o questionário mostrou que vale a pena examinar os locais de aplicação regularmente, ou seja, a cada consulta ou no mínimo uma vez ao ano. No momento em que ocorrer o exame dos locais de aplicação, devem ser oferecidos também o treinamento sobre a técnica de injeção.
Como conclusão, eles reforçam que esse e o maior estudo conduzido na temática, e que somente com esse panorama serão possíveis novos estudos para definir as melhores práticas e definir as recomendações para a insulinoterapia.
Link para o artigo original: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0025-6196(16)30322-6
Autora: Rebecca Ortiz La Banca, enfermeira pediatra e educadora em diabetes. Membro do Departamento de Enfermagem da SBD.