Dietas saudáveis, surgidas por tradição cultural ou por estudos/design, compartilham muitas características comuns e geralmente se alinham com o Plano de Ação Global da OMS para a prevenção e controle de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT), como o Diabetes.
Vários tipos de dietas e estratégias nutricionais são discutidas hoje em dia e na literatura científica, observamos muitos estudos já consolidados e randomizados sobre a Dieta Mediterrânea, que além de ser amplamente sugerida é endossada por diversas sociedades, órgãos governamentais e diretrizes internacionais, em relação principalmente à longevidade, padrões anti-inflamatórios mais bem estabelecidos, controle metabólico e qualidade de vida de forma geral.
Essa dieta é originária de países próximos ao Mar Mediterrâneo e desde a década de 40, investigadores norte-americanos observaram que a longevidade da população da ilha de Creta era superior ao da América do Norte. Entre 1970-1980, iniciaram as primeiras publicações sobre os benefícios da Dieta Mediterrânea descritos por Ancel Keys, que publicou o estudo: “Coronary heart disease in seven countries – a multivariate analysis of death and coronary heart disease” em que constatou uma menor mortalidade por doença coronária em indivíduos que consumiam um elevado teor de azeite, frutas e vegetais frescos.
A adesão a este padrão alimentar foi associada a menores taxas de morbilidade e mortalidade por doença cardiovascular, menor incidência de diabetes tipo 2, câncer, obesidade e por doenças neurodegenerativas.
Em 2005, ocorreu o Terceiro Fórum sobre Culturas Alimentares do Mediterrâneo em Roma e em diálogos interdisciplinares entre nutricionistas e cientistas sociais, a UNESCO reconheceu a Dieta Mediterrânea como patrimônio cultural imaterial. Neste Fórum foi produzida a declaração “The 2005 Rome Call for a Common Action on Food in the Mediterranean”, onde a palavra de origem grega “Dieta” foi associada e traduzida como um “estilo de vida”. Reconhecia-se assim, a Dieta Mediterrânea como “um modo de viver” que engloba também a sustentabilidade e prioriza a atividade física regular, o descansar adequadamente, o convívio à volta da mesa e a forma mais orgânica/natural na produção de alimentos.
A Dieta Mediterrânea é considerada balanceada e inclui vários grupos de alimentos, além de um estilo de vida equilibrado, que incorpora alto poder antioxidante e diversos fatores de proteção. Essa dieta consiste basicamente no consumo de frutas, vegetais frescos, fibras, grãos integrais e leguminosas. Pode ser classificada como baixa a moderada em carboidratos (engloba em torno de 25% a 45% do VET – valor energético total/dia) e prioriza aqueles integrais ou de baixo índice glicêmico. As proteínas são de alto valor biológico, como: peixes, carne branca e ovos que constituem as principais fontes. Carnes vermelhas, ricas em gordura saturada e as carnes processadas são consumidas com menor frequência ou em porções menores. Os lipídios possuem boa razão de ácidos graxos mono e poli insaturados – oriundos principalmente do azeite de oliva, de sementes diversas e de oleaginosas, como nozes e castanhas. A água (indicada para adultos em torno de 1,5-2,0 litros/dia ou de 8 copos/dia) é recomendada como a principal fonte de hidratação, enquanto o vinho tinto seco e outras bebidas alcoólicas fermentadas são geralmente permitidas (com moderação). Ou seja, nesse estilo de dieta, observamos proporções mais adequadas para suprir as necessidades energéticas do indivíduo, sem excesso na ingestão em relação aos macronutrientes, ao mesmo tempo em que fornece micronutrientes e hidratação suficientes para atender às necessidades fisiológicas do corpo.
Em uma revisão recente de 2020, evidências de estudos epidemiológicos e ensaios clínicos indicaram que esse padrão alimentar reduz os riscos de DCNTs e apoia dietas como a Mediterrânea, na prevenção de doenças e/ou para influenciar positivamente a saúde de forma geral.
Ensaios randomizados anteriores e rigorosamente controlados sobre a Dieta Mediterrânea, também demonstraram efeitos metabólicos benéficos, incluindo melhorias na sensibilidade à insulina e reduções em biomarcadores de inflamação.
Aqui vamos destacar alguns artigos com pontos importantes, que podemos inserir na prática clínica/profissional e em nossas condutas com os pacientes. Pequenas mudanças em hábitos ou escolhas nutricionais mais inteligentes e nutritivas, poderão sem dúvidas, contribuir para melhora metabólica geral do paciente, seja no peso, no controle glicêmico ou melhorando a sua qualidade de vida.
No estudo de coorte de (Ahmad et al., JAMA, 2018) realizado com 25.994 mulheres que consumiam um alto teor de alimentos oriundos da Dieta Mediterrânea, observou-se associação significativa com redução de 28% dos riscos de eventos cardiovasculares e em vários marcadores, como: IMC, colesterol LDL, hipertensão arterial, dentre outros.
Em outro estudo transversal de (Martínez-Gonzalez et al., 2012) realizado entre 2003 e 2009 em 11 Centros Espanhóis de Atenção Primária, contendo 7.447 participantes (57% mulheres e 43% homens adultos), sem histórico de doença cardiovascular prévia, mas com Diabetes Mellitus tipo 2; avaliou a associação entre a adesão à Dieta Mediterrânea (medida por um questionário simples contendo 14 itens) com a RCQ (relação cintura-quadril) e com outros índices de adiposidade, como o IMC. Nutricionistas foram treinados para entrevistas presenciais com os pacientes e aplicaram esse questionário para observarem os hábitos alimentares dos mesmos. Esse questionário validado foi desenvolvido em um estudo espanhol caso-controle de infarto do miocárdio (Martínez-González MA et al.,2002), onde foram selecionados os melhores pontos de corte e foi considerado um instrumento breve, barato e que requer menos colaboração dos participantes do que o QFA (Questionário de Frequência Alimentar) ou outros métodos tradicionais. O questionário que engloba as 14 perguntas pode ser encontrado nas referências ao final (Martínez-Gonzalez MA., et al 2012. A 14-Item Mediterranean Diet Assessment Tool and Obesity Indexes among High-Risk Subjects) e as perguntas são pontuadas, como exemplo dessa: “você utiliza azeite de oliva como principal fonte de gordura culinária”? Se a resposta do paciente for sim; como critério ele pontua 1 ponto na escala de avaliação.
Dentre os diversos resultados encontrados, a adesão à Dieta Mediterrânea foi diretamente associada à atividade física, ingestão total de energia, consumo de álcool e nível educacional. A prevalência de diabetes e tabagismo foram menores entre os participantes com maior adesão à Dieta Mediterrânea.
A média do escore de 14 itens foi de 8,6 +-2,0 (DP) Desvio Padrão. Os valores médios para o escore de 14 itens foram de 8,5 +-2,0 para mulheres e 8.7 +-2,0 para homens. Mais homens do que mulheres foram iguais ou superiores a 10 pontos no escore de 14 itens do questionário.
Para todos os índices de obesidade avaliados, como o IMC, RCQ e o WHtR (waist to height ratio = relação cintura/altura), os autores encontraram uma associação significativa e inversa com a pontuação da Dieta Mediterrânea nos 14 itens, tanto para mulheres quanto para homens nas análises brutas com (p<0,001 para todas comparações, com exceção de p=0,001 para IMC entre os homens). Foram encontradas, portanto, fortes associações lineares inversas entre o instrumento de 14 itens e todos os índices de adiposidade avaliados (obesidade geral e gordura abdominal). O alto consumo de nozes e o baixo consumo de bebidas adoçadas apresentaram as associações inversas mais fortes com a obesidade abdominal.
Na análise de regressão logística o OR (razão de chance) avaliado para obesidade abdominal vs. (WHtR= relação cintura\altura) mostrou que para cada 2 pontos adicionais na aderência do paciente à Dieta Mediterrânea, os indivíduos melhoravam os fatores de adiposidade avaliados. Quando homens e mulheres foram considerados juntos, uma associação inversa entre o escore dos 14 itens do questionário e a probabilidade de obesidade abdominal ficou evidente (Figura 1 abaixo do artigo):
Quando os autores avaliaram separadamente os 14 itens em um modelo utilizando o IMC como variável dependente, ajustado por possíveis fatores de confusão, como: idade, sexo verificou-se que um maior consumo de carne vermelha, refrigerantes e produtos de padaria (como doces e bolos industrializados) foram significativamente associados a um maior IMC médio, enquanto que o maior consumo de vinho, uso de azeite como principal lipídeo culinário, vegetais e nozes foram associados a um menor IMC médio, conforme demonstra a figura abaixo:
Portanto, esse estudo encontrou uma associação inversa e robusta entre a adesão à Dieta Mediterrânea e os índices gerais de avaliação para obesidade. Os resultados sugerem que uma maior adesão à Dieta Mediterrânea está associada a menor prevalência de obesidade e, especificamente, obesidade abdominal e visceral, ou seja, síndrome metabólica – dados esses, que são plausíveis e consistentes com estudos epidemiológicos anteriores.
Um outro estudo de (Schwarzfuchs et al.,2012) que comparou três diferentes tipos dietas por segmento de dois anos: Lowcarb, Low-fat e Dieta Mediterrânea mostrou melhores resultados a longo prazo na aplicação da Dieta Mediterrânea, com melhor adesão geral à estratégia pelos pacientes também, conforme demonstra o gráfico abaixo:
Não obstante, um outro estudo de (Esposito K, et al., 2015) demonstrou melhor controle glicêmico e redução de risco cardiovascular com uso da Dieta Mediterrânea, quando comparada à Dieta Lowfat; sugerindo que a Dieta Mediterrânea é uma boa estratégia nutricional indicada também no tratamento do Diabetes Mellitus do Tipo 2.
Já no randomizado estudo de intervenção chave (Prevención con Dieta Mediterránea; PREDIMED), do renomado periódico New England de 2018, realizado com 7447 pacientes em vários locais da Espanha, também demonstrou conforme podemos observar no gráfico abaixo, uma menor incidência de eventos cardiovasculares associados à Dieta Mediterrânea quando suplementada com azeite de oliva extra-virgem ou sementes oleaginosas, comparado à indivíduos em dieta reduzida em gordura por longo período.
Sub-estudos do PREDIMED também mostraram que, em comparação a uma dieta controle com baixo teor de gordura, a Dieta Mediterrânea suplementada com azeite está associada a risco reduzido de cerca de 30% de eventos cardiovasculares. A maior ingestão de polifenóis (fitoquímicos encontrados em frutas, vegetais, chás, ervas, especiarias, azeite e vinho) se correlacionou com uma redução de 36% no risco de hipertensão, com diferença estatística (p=0,015) e à melhoria nos biomarcadores inflamatórios relacionados à aterosclerose, como: interleucina IL-6 e fator de necrose tumoral-TNF-alfa, com (p=0,004).
Mesmo diante tantos benefícios, é importante frisar que o profissional Nutricionista deverá sempre se atentar à individualidade, exames bioquímicos, cultura, condições socioeconômicas, dentre outros fatores para adequar o melhor plano alimentar e estratégia para cada paciente. Talvez um ponto negativo a se destacar na nossa realidade geral e atual brasileira; é que essa estratégia possui um alto custo para consumo no dia a dia e dependendo da região, observamos pouco acesso a alguns alimentos dessa dieta. Deste modo, novas estratégias e políticas públicas e\ou privadas; incentivar pequenos produtores, hortas caseiras são necessárias para maior adesão. Não obstante, mais esforços são necessários para integrar essas escolhas alimentares a um estilo de vida mais saudável nas comunidades em todo o mundo, para assim, tornar a alimentação nutritiva, variada e cada vez mais acessível, além de sustentável.
Em resumo, podemos destacar e finalizar com alguns postos-chaves de vários estudos e diretrizes sobre aplicação prática da Dieta Mediterrânea:
Estilo de vida nutricionalmente balanceado e equilibrado em relação aos macro e micronutrientes de forma geral.
Perda de peso (melhora do IMC): bons resultados em curto e (principalmente) a longo prazo.
Relevância: evidências científicas robustas que suportam a prescrição dessa dieta por benefícios para a saúde geral e metabolismo, como por exemplo, melhora de controle glicêmico (em que não se identifica o exagero no consumo de carboidratos e nem escassez extrema), além de optar por aqueles ricos em fibras e de menor impacto glicêmico pós-prandial.
Benéfica para risco de DCV (Doenças Cardiovasculares) e principalmente na prevenção e tratamento do Diabetes Tipo 2.
Alta adesão: não muito restritiva, diversificada e palatável!
Finalizamos destacando a frase abaixo do CFN (Conselho Federal de Nutrição):
“A Dietoterapia, ramo da ciência da Nutrição; é aplicada ao ser humano com o objetivo de preservar, promover e recuperar a saúde por meio de métodos e técnicas específicas RESOLUÇÃO CFN 223/99 ART. 2° – É vedado: II. divulgar, qualquer que seja a justificativa, dietas sem que tenha havido comprovação científica de sua eficácia ou experiência clínica comprovada”.
“ O sucesso de qualquer dieta está associado principalmente à adesão”. (Dansinger et al., JAMA. 2005;293:43-53).
Principais Referências:
Martínez-Gonzalez MA, Garcıa-Arellano A, Toledo E, Salas-Salvado´ J, Buil-Cosiales P, et al. (2012). A 14-Item Mediterranean Diet Assessment Tool and Obesity Indexes among High-Risk Subjects: The PREDIMED Trial. PLoS ONE 7(8): e43134. doi:10.1371/journal.pone.0043134.
Cena, & Calder. (2020). Defining a Healthy Diet: Evidence for The Role of Contemporary Dietary Patterns in Health and Disease. Nutrients, 12(2), 334. doi:10.3390/nu12020334
Freire, R. (2019). Scientific evidence of diets for weight loss: different macronutrient composition, intermittent fasting and popular diets. Nutrition. doi:10.1016/j.nut.2019.07.001.
Global Action Plan forthe Prevention and Control of Noncommunicable Diseases 2013–2020. World Health Organ. Geneva, Switzerland, 2013.
Ahmad S, Moorthy MV, Demler OV, et al. Assessment of Risk Factors and Biomarkers Associated With Risk of Cardiovascular Disease Among Women Consuming a Mediterranean Diet. JAMA Netw Open. 2018;1(8):e185708. doi:10.1001/jamanetworkopen.2018.5708.
Estruch R, Ros E, Salas-Salvadó J, et al. Retraction and Republication: Primary Prevention of Cardiovascular Disease with a Mediterranean Diet. N Engl J Med 2013;368:1279-90. N Engl J Med. 2018 Jun 21;378(25):2441-2442. doi: 10.1056/NEJMc1806491. Epub 2018 Jun 13. Corrected and republished in: N Engl J Med. 2018 Jun 21;378(25):e34. PMID: 29897867.
Esposito K, et al. BMJ Open 2015;5:e005892. doi:10.1136/bmjopen-2014-005892.
Schwarzfuchs D, Golan R, Shai I. Four-year follow-up after two-year dietary interventions. N Engl J Med. 2012 Oct 4;367(14):1373-4. Doi: 10.1056/NEJMc1204792. PMID: 23034044.
Standards of Medical Care in Diabetes- ADA (2021/2022).
GIBSON, Alice A.; SAINSBURY, Amanda. Strategies to improve adherence to dietary weight loss interventions in research and real-world settings. Behavioral Sciences, v. 7, n. 3, p. 44, 2017.
Dra Natália Fenner
- Nutricionista
- Doutoranda na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
- Mestre em Nutrição e Saúde(UFMG)
- Especialista em Nutrição Clínica (UGF-SP)
- Educadora em Diabetes ADJ/SBD/IDF
- Coordenadora Docente da Nutrição na Liga de Diabetes da UFMG- Hospital das Clínicas.
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