Pesquisa internacional inédita traz dados sobre diabetes tipo 1 em cada estado do país
A organização sem fins lucrativos JDRF International revelou dados inéditos a respeito do diabetes mellitus tipo 1 (DM1) no Brasil. Thomas Robinson, vice-presidente de acesso global da entidade, relatou que o brasileiro, a depender do estado em que reside, perde de 32 a 48 anos saudáveis de vida em decorrência do DM1. Dessa forma, a média é de 38 anos saudáveis perdidos por pessoa com DM1 no país. A estimativa considera que a condição foi diagnosticada aos 10 anos de idade. O indicador “anos saudáveis perdidos” refere-se aos anos perdidos em qualidade de vida, devido ao tratamento, às complicações da doença, e ao encurtamento da expectativa de vida, ou seja, a morte prematura das pessoas com DM1. Ainda segundo dados da pesquisa, deveriam estar vivas, em 2022, 464 mil pessoas que faleceram prematuramente por complicações derivadas da DM1. Atualmente, a doença atinge 559 mil pessoas no Brasil.
O pesquisador apresentou os resultados preliminares do estudo durante o painel online “Diabetes no Brasil: Desafios e Estratégias para Mudar o Cenário”, promovido no dia 19 de junho pelo Fórum Intersetorial para Combate às Doenças Crônicas não Transmissíveis no Brasil (FórumDCNTs). As informações foram obtidas por meio da segunda versão do T1D Index, ferramenta de simulação que mediu o impacto do DM1 na saúde pública de 201 países a partir de dados epidemiológicos de 2021. O lançamento do software no Brasil foi realizado em setembro de 2022, juntamente com o maior estudo epidemiológico mundial sobre a doença realizado até o momento. À época, os cálculos não levaram em conta as desigualdades regionais do país. Ajustes na plataforma resultaram em números mais precisos, anunciados agora, os quais evidenciam um cenário pior que o delineado anteriormente. Na primeira versão, o T1D Index chegou à média de 32 anos saudáveis perdidos por pessoa com DM1, 235 mil vidas perdidas e 588 mil pessoas vivas com a doença no Brasil.
O T1D Index usou para o novo cômputo as taxas de incidência, diagnóstico e mortalidade, as quais variam substancialmente de um estado para o outro. “Dentre os fatores que levam à essa disparidade está a diferença nas intervenções públicas em saúde. Impactam na qualidade e expectativa de vida da pessoa com DM1 o nível de apoio aos autocuidados, o acesso às tiras para medição da glicemia e a quantidade diária recebida, bem como a disponibilidade de insulina e o tipo dispensado”, analisou Robinson. “As ações e o alcance da saúde pública não são os mesmos em ambientes urbanos e rurais, ou em capitais e cidades distantes delas”, completou.
O vice-presidente de acesso global da JDRF International também exibiu simulações realizadas pelo T1D Index para o contexto brasileiro sobre os efeitos, na saúde individual e coletiva, de diferentes intervenções públicas para o cuidado da DM1. De acordo com a plataforma, uma pessoa com dez anos de idade e DM1 sem o diagnóstico morreria em poucos meses. Já uma pessoa com diagnóstico aos dez anos e recebimento de duas tiras para glicemia por dia (a média da quantia oferecida pelo SUS) e suprimento estável de insulina humana tenderia a viver 49 anos. Os resultados melhoram progressivamente à medida que aumenta a quantidade de tiras fornecida e, ainda, conforme o tipo de insulina dispensado.
Assim, a expectativa de vida é de 52 anos se, além de duas tiras, a pessoa com DM1 for tratada com insulina análoga ao invés da humana. Com cinco tiras por dia e insulina humana, a média sobe para 58. Com cinco tiras por dia e insulina análoga, a expectativa de vida é de 61 anos. Caso o usuário receba insulina análoga e dispositivos de monitorização contínua de glicose ou bombas de infusão no lugar das tiras, a expectativa é de 65 e 71 anos, respectivamente. “Trata-se de uma relação de custo-efetividade que vale a pena”, argumentou Robinson. “O primeiro grande objetivo do Brasil deveria ser oferecer análogos de insulina e cinco tiras por dia a todos os usuários com DM1. O segundo, diagnosticar mais pessoas”, recomendou. Estas duas tecnologias já estão incorporadas ao SUS, mas nem todas as pessoas têm acesso a elas.
Brasileiros com diabetes ou pré-diabetes ultrapassam os 32 milhões
Segundo a Federação Internacional de Diabetes, o Brasil é o sexto país em número de pessoas com a condição no mundo, atrás da China, Índia, Paquistão, Estados Unidos e Indonésia. De 2013 para 2019, houve um aumento de 36% da prevalência da condição no país. “Os dados mais recentes indicam a existência de mais de 32 milhões de brasileiros com diabetes ou pré-diabetes. Por outro lado, apresentamos um alto investimento econômico per capta em comparação com os demais países que possuem grande prevalência de diabetes. Nossa expectativa é de que esses recursos sejam utilizados da melhor maneira possível”, ressaltou Dr. Mark Barone, coordenador geral do FórumDCNTs. Ele observou que 31,9% dos 15,7 milhões de pessoas com diabetes no Brasil ainda não foram diagnosticados.
Os números mostram a relevância do evento promovidos pelo FórumDCNTs, que reuniu representantes de sociedades de especialidades médicas, associações de pessoas com diabetes, administração pública em saúde e indústria farmacêutica. Os painelistas possuem experiências diversas, todas com papel fundamental no desenvolvimento de ações sustentadas para a prevenção e cuidado das pessoas com diabetes tipo 1 e 2 no país. Barone lembrou que muitos dos convidados convivem com o diabetes, o que enriqueceu o debate.
Um dos objetivos do encontro foi o engajamento das principais instituições dos diferentes setores da sociedade, representadas pelas autoridades presentes, em ações nacionais que melhorem efetivamente esse cenário. A ideia foi compreender a questão em sua integralidade, considerando, no âmbito do SUS, as realidades dos usuários, profissionais de saúde e gestores.
Dra. Karla Melo, coordenadora do Departamento de Saúde Pública da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), falou sobre as recomendações das sociedades de especialidades médicas para a mudança do atual panorama da doença no país. Ela listou os ajustes necessários aos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para diabetes, com sugestões de prioridades no fornecimento de medicamentos de acordo com as condições clínicas dessas pessoas; bem como de ações para melhorar o manejo da glicemia e melhorar o engajamento nos autocuidados.
Sheila Vasconcellos, jornalista da Associação de Diabetes do Rio de Janeiro (Adila RJ), constata em seu dia a dia a heterogeneidade demonstrada pelo T1D Index. “No Norte e Nordeste do país, as pessoas têm maior dificuldade em receber tanto acompanhamento quanto insumos básicos, como as tiras de glicemia. Já no Sul e Sudeste, é possível obter insulinas mais modernas, que permitem melhor gerenciamento da condição”, exemplificou. Vasconcellos também destacou a demora do governo federal em disponibilizar a insulina análoga lenta para toda a população. “Os excessos burocráticos do Estado atrapalham o recebimento de medicamentos e dispositivos pelas pessoas com diabetes”, avaliou a Dra. Karla Melo.
Atenção primária terá o suporte de equipes multiprofissionais, diz secretário
O atendimento especializado foi outra questão apontada tanto por Vasconcellos quanto por Melo. “Há um longo intervalo de tempo entre o encaminhamento ao especialista e a efetivação da consulta. Para a pessoa com diabetes, a demora de um ano e meio, por exemplo, pode significar a perda da visão ou a amputação de um de seus pés”, afirmou a jornalista. A endocrinologista Karla Melo, por sua vez, sublinhou a necessidade de as pessoas com diabetes tipo 1 serem atendidas por um especialista entre três a quatro vezes por ano. “Caso não seja viável, pode-se usar a telemedicina para que o médico generalista seja apoiado pelo especialista”, sugeriu.
Dr. Nésio Fernandes, titular da Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS) do Ministério da Saúde (MS), garantiu que a atenção básica terá o apoio de equipes multiprofissionais, as quais serão constituídas, entre outras especialidades, por endocrinologistas e cardiologistas. “Essas equipes compartilharão com a atenção primária a responsabilidade pelo cuidado. Os profissionais estarão disponíveis para oferecer segunda opinião especializada, seja mediada por tecnologia ou presencialmente”, declarou o secretário.
Educação a respeito do diabetes é essencial
A necessidade de educação, tanto dos profissionais de saúde quanto das pessoas com a diabetes, seus familiares e toda a comunidade foi um consenso entre os participantes. Lucas Galastri, presidente da ADJ Diabetes Brasil, exemplificou a importância da orientação acerca do diabetes com sua própria experiência. “Tenho diabetes desde os oito anos. Eu não possuo complicações graças à educação que recebi na ADJ”. Vasconcellos falou sobre a importância da divulgação de informações que desmistifiquem o diabetes por meio das mídias, não somente a imprensa, mas também novelas e outros espaços possíveis. Vanessa Pontirolli, coordenadora de Public Affairs & Patient Advocacy na Novo Nordisk, assinalou que parte da população brasileira não possui acesso à internet e, por isso, também devem ser considerados projetos de educação que usem outros canais.
Melo assinalou que o diagnóstico da condição é simples, porém o tratamento é complexo e depende do engajamento do indivíduo. “Para que isso ocorra, ele deve ser orientado por um profissional de saúde capacitado”, enfatizou a endocrinologista. O secretário Nésio Fernandes informou que o governo federal vai investir na qualificação dos recursos humanos, vista como oportunidade para reorientar a prática profissional para o cuidado centrado na pessoa.
No decurso das discussões, todos expressaram o entendimento de que a melhoria da atenção em saúde para a população com diabetes no Brasil depende do compromisso e articulação entre os agentes interessados, inclusive os usuários dos serviços e seus familiares. “Estou convicto de que nenhuma política pública avança sem a participação dos diferentes segmentos da população, com suas respectivas realidades”, assegurou Andrey Roosewelt, diretor do Departamento de Promoção da Saúde da SAPS/MS. Pontirolli apontou que a indústria farmacêutica tem a responsabilidade de contribuir com iniciativas de saúde pública que promovam a prevenção, diagnóstico precoce e o acesso a tecnologias. “Juntos e de forma multidisciplinar podemos fazer a diferença, por meio de parcerias que aproveitem os conhecimentos e recursos”. Roosewelt, por sua vez, frisou o compromisso do governo federal com a multiprofissionalidade, intersetorialidade e o envolvimento de todas as instâncias da atenção em saúde.
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Robertohttps://diabetes.org.br/author/roberto/
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