Não respondedores ao exercício físico: determinismo genético, erro de prescrição, má adesão ou simplesmente terminologia inadequada?

É lugar comum, na medicina, falarmos em não-respondedores. Pacientes que não apresentam a resposta esperada frente a alguma medida terapêutica. Hipertensão resistente ou refratária, incapacidade de fazer a viragem sorológica após uma imunização (“vaccine failure”) entre outros tantos exemplos corriqueiros. Tal conceito se aplica também a medicina esportiva, quando um praticante, após um período de treinamento não evolui com a melhora esperada de VO2 máx. Porém, no que diz respeito ao exercício físico, este conceito vem sendo desafiado por uma série de trabalhos nos últimos anos. Chamou a nossa atenção a publicação de um artigo, por Joyner e Lundby (1), na edição de julho deste ano do periódico “Exercise and Sports Sciences Reviews”, uma das revistas oficiais do “American College of Sports Medicine” cujo fator de impacto é de 3,73. Tal trabalho foi motivo também de um interessante editorial por Hirofumi Tanaka (2) na mesma edição da revista.  

Sabe-se já há muito tempo que existe grande variabilidade na resposta que as diferentes pessoas obtêm a partir de um programa de treinamento físico. Há indivíduos que apresentam uma evolução marcante e veloz enquanto que outros nem tanto. A esta capacidade de melhorar diante do treinamento se convencionou chamar de “treinabilidade”. Existem, portanto, pessoas com maior e outras com menor treinabilidade.  

Existem ainda os chamados “não-respondedores”. Pessoas que não respondem em absoluto ao treinamento físico. O extremo em termos de baixa treinabilidade. Conceito este que ganhou mais destaque a partir da publicação do estudo HERITAGE (3,4), um trial pivotal dentro da medicina esportiva. São praticantes que, apesar de submetidos a um programa de treinamento, não evoluem do ponto de vista da condição física aeróbia. E por vezes, podem apresentar até piora de parâmetros metabólicos tais como perfil lipídico, pressão arterial e sensibilidade à insulina. Felizmente este cenário ocorre em cerca de 20% das pessoas apenas. 

Mas quais seriam as causas para tal fenômeno ? Mera má adesão ao que foi proposto em termos de exercício ? Ou talvez uma falha na própria prescrição por parte do profissional de educação física ? Existem ainda uma série de polimorfismos já bem descritos que se associam a esta peculiar situação. Seria então algo pré-determinado do ponto de vista genético ? Uma espécie de maldição genética ? Este tipo de pensamento foi o que vigeu até recentemente quando uma série de trabalhos começaram a propor a ideia de que na realidade tratava-se de uma questão de dose e de tempo de exposição. Em outras palavras: quando se aumenta o volume ou a intensidade do treinamento e quando se estende o período de treinamento para além de 20 semanas consegue-se reduzir a zero o número de não-respondendores. Além disso, diversificar a modalidade de exercício parece impactar também na taxa de não respondedores. Nesse sentido, estudos que alternam protocolos de HIIT com exercício aeróbio contínuo ( “clássico” ) foram mais eficientes em progredir o VO2 máx dos participantes e minimizar a frequência de não respondedores. 

Sendo assim, podemos entender que a imensa maioria dos praticantes de atividade física (ou talvez todos eles) sejam capazes sim de melhorar seu VO2 máx quando submetidos a um estímulo apropriado. Ou seja, a partir do momento que temos um treinamento duradouro o suficiente, intenso o suficiente e variado em termos de modalidades incluídas, haverá sim avanço na capacidade física aeróbia. Segue valendo a máxima “não existe um programa de treinamento que seja ideal para todos os praticantes” (não existe uma regra “one size fits all”).  Por outro lado, vale lembrar ainda que, mesmo que o praticante se comporte como um não-respondedor ( ou até mesmo evolua com piora dos fatores de risco cardiovasculares ) uma série de benefícios outros não mensuráveis decorrentes do exercício estarão em curso e irão conferir benefícios à saúde do paciente. Lembrem-se que até mesmo quebrar o tempo em que ficamos sentados de frente pro computador já reduzir mortalidade! Exercise is medicine! Bons treinos!  

Referências bibliográficas: 

  1. Joyner M, Lundby C. Concepts about VO2máx and trainability are context dependent. Exerc Sport Sci Rev 2018;46(3):138-43
  2. Tanaka H. Exercise nonresponders: genetic curse, poor compliance or improper prescription ? Exerc Sport Sci Rev 2018;46(3):137
  3. Skinner JS, Jaskólski A, Jaskólska A et al. Age, sex, race, initial fitness and response to training: the HERITAGE Family Study. J Appl Physiol (1985) 2001;90(5):1770-6
  4. Bouchard C, An P, Rice T et al. Familial aggregation of VO2max response to exercise training: results from the HERITAGE Family Study. J Appl Physiol (1985) 1999;87(3):1003-8
Dr. Roberto Zagury
  • Endocrinologista do LPH - Laboratório de Performance Humana