SARCOPENIA E DIABETES MELLITUS TIPO 2

A sarcopenia é uma condição caracterizada pela perda progressiva e generalizada de força e massa muscular, com grande relevância clínica visto sua relação com o aumento da probabilidade de resultados adversos à saúde, como quedas, fraturas, incapacidade física e mortalidade prematura1,2. Embora associada ao envelhecimento, a sarcopenia também é prevalente em diversas condições patológicas, entre as quais o diabetes mellitus tipo 2 (DM2) que se destaca pela sua alta incidência e complexidade clínica3.

Com uma prevalência crescente em nível mundial, o DM2 está frequentemente associado a uma série de complicações microvasculares e macrovasculares, comprometendo diversos órgãos e sistemas4. Nos últimos anos, têm sido observadas evidências de que pacientes com DM2 apresentam perda muscular acelerada com comprometimento do desempenho físico5 e maior taxa de sarcopenia em comparação a pessoas sem diabetes6.

A relação entre sarcopenia e DM2 é complexa e bidirecional, com importantes implicações clínicas. De um lado, o diabetes envolve mecanismos fisiopatológicos como a inflamação crônica, acúmulo de produtos finais de glicação avançada (AGEs) e estresse oxidativo que comprometem o metabolismo proteico e a função mitocondrial. Esses processos não apenas aceleram a degradação muscular, mas também diminuem a capacidade regenerativa do tecido muscular. Do outro lado, a sarcopenia, ao reduzir a massa muscular, reduz a sensibilidade à insulina e portanto, diminui a captação de glicose pelos músculos, com consequente aumento da glicemia e piora do quadro de resistência insulínica7. Clinicamente, essa inter-relação resulta em um ciclo que se repete e intensifica tanto as complicações do diabetes quanto os desfechos adversos decorrentes da sarcopenia.

De acordo com o EWGSOP 2, o diagnóstico inicial da sarcopenia pode ser realizado por meio do questionário SARC-F, um instrumento de triagem de aplicação rápida e simples com o objetivo de identificar o risco para a sarcopenia. Para confirmação da condição de sarcopenia, o indivíduo deve apresentar baixa força muscular associada à baixa massa muscular. Quando, além destas duas condições, há também um baixo desempenho físico, considera-se o diagnóstico de sarcopenia grave1.

Triagem da sarcopeniaO questionário SARC-F8 é composto por 5 perguntas que envolvem componentes relacionados à força (Strength), assistência para caminhar (Assistance with walking), dificuldade em levantar-se da cadeira ou da cama (Rise from a chair), dificuldade para subir escadas (Climb stairs) e quedas (Falls). O questionário SARC-F está detalhado no Quadro 1.

Em 2016, Barbosa-Silva et al.9 propuseram uma versão modificada do SARC-F com a inclusão da medida da circunferência da panturrilha (CP), na tentativa de melhorar seu desempenho, chamado de SARC-F + CP ou pontuação SARC-CalF. O questionário foi sugerido como alternativa potencialmente interessante ao SARC-F, destinada a melhorar sua sensibilidade ao incorporar uma medida antropométrica como marcador de massa muscular (Quadro 2).

Quadro 2 – Questionário SARC-CalF

Avaliação da força muscular

A força de preensão palmar (FPP) é o método mais recomendado pelo EWGSOP 2 para avaliação da força muscular, por ser uma medida simples, prática e de baixo custo1. A aferição desta medida utiliza um dinamômetro manual, que expressa os resultados em quilograma (kg) para medir a força isométrica máxima da preensão palmar alcançada sob condições padrão de assento e posição do pulso e antebraço. O EWGSOP (2019) considera baixa força de preensão palmar para homens < 27kg/f e mulheres <16 kg/f.

Avaliação da massa muscular

A quantidade de massa muscular pode ser avaliada por meio de técnicas mais refinadas como ressonância magnética, tomografia computadorizada e DEXA, ou por meio da bioimpedância elétrica que tem como vantagem a praticidade que viabiliza seu uso na rotina clínica, além de ser indicada pelo EWGSOP (2019) como uma técnica apropriada e aceitável para quantificação da massa muscular na prática clínica.

Avaliação da performance física

O desempenho físico pode ser medido por meio do teste de velocidade de marcha (VM), teste Short Physical Performance Battery (SPPB) e/ou teste Timed-Up and Go (TUG).

O teste de velocidade de marcha é o mais utilizado na prática clínica por ser um método rápido, seguro e confiável para avaliação da sarcopenia grave1. O teste de VM habitual de 4 metros, com a velocidade medida manualmente por um cronômetro, pode ser usado para aferir o tempo da marcha.

Importância da avaliação e diagnóstico da sarcopenia 

Identificar a sarcopenia, especialmente nos estágios iniciais, permite que intervenções nutricionais específicas para preservar ou recuperar a massa muscular sejam implementadas nestes pacientes, com o objetivo de prevenir complicações e promover uma melhor qualidade de vida.

1 – CRUZ-JENTOFT, Alfonso J. et al. Writing Group for the European Working Group on Sarcopenia in Older People 2 (EWGSOP2), and the Extended Group for EWGSOP2. Sarcopenia: revised European consensus on definition and diagnosis. Age Ageing, v. 48, n. 1, p. 16-31, 2019.

2 – ZHAO, Yunli et al. Sarcopenia and hospital-related outcomes in the old people: a systematic review and meta-analysis. Aging clinical and experimental research, v. 31, p. 5-14, 2019.

3-PURNAMASARI, Dyah et al. Sarcopenia and chronic complications of type 2 diabetes mellitus. Review of Diabetic Studies, v. 18, n. 3, p. 157-165, 2022.

4-BERTOLUCI, Marcello Casaccia et al. Brazilian guidelines on prevention of cardiovascular disease in patients with diabetes: a position statement from the Brazilian Diabetes Society (SBD), the Brazilian Cardiology Society (SBC) and the Brazilian Endocrinology and Metabolism Society (SBEM). Diabetology & Metabolic Syndrome, v. 9, n. 1, p. 1-36, 2017.

5- IZZO, Anna et al. A narrative review on sarcopenia in type 2 diabetes mellitus: prevalence and associated factors. Nutrients, v. 13, n. 1, p. 183, 2021.

6 – TRIERWEILER, Heloísa et al. Sarcopenia: a chronic complication of type 2 diabetes mellitus. Diabetology & metabolic syndrome, v. 10, n. 1, p. 1-9, 2018.

7- MESINOVIC, Jakub et al. Metabolic syndrome and its associations with components of sarcopenia in overweight and obese older adults. Journal of clinical medicine, v. 8, n. 2, p. 145, 2019.

8- MALMSTROM, Theodore K.; MORLEY, John E. SARC-F: a simple questionnaire to rapidly diagnose sarcopenia. Journal of the American Medical Directors Association, v. 14, n. 8, p. 531-532, 2013.

9- BARBOSA-SILVA, Thiago Gonzalez et al. Enhancing SARC-F: improving sarcopenia screening in the clinical practice. Journal of the American Medical Directors Association, v. 17, n. 12, p. 1136-1141, 2016.

Amanda Araújo
Nutricionista do Departamento de Nutrição da SBD
Nutricionista do Hospital das Clínicas da UFPE
Residência em Saúde da Família pela UPE
Mestre em Políticas Públicas pela UFPE
Doutoranda em Nutrição e Saúde Pública pela UFPE