Pode parecer chocante o título, mas o conceito não é novo. O desafio é colocar em prática a transformação do paciente em um sujeito ativo, participante das decisões e ações relativas à sua saúde. Talvez, por isso, o termo ainda impere. Mesmo quando se põe o paciente em posição central de seus cuidados, nos diagramas que representam o conceito, ainda assim, aparece um indivíduo passivo, atendido por diferentes profissionais que fazem as escolhas por ele. No caso de doenças crônicas não transmissíveis (NCDs), como o diabetes, as razões para essa preocupação são ainda maiores. Todos sabem que menos de 1% do tempo de quem vive com uma NCD é despendido dentro de uma clínica, consultório ou hospital. Os outros mais de 99% do tempo se passam no trabalho, lazer, em casa, com a família, etc., ocasiões essas que demandam da pessoa com diabetes (DM), ou outra NCD, uma postura ativa, com tomadas frequentes de decisão.
Nos últimos anos muito se tem discutido sobre a importância da inclusão do “paciente” também em comitês decisórios sobre saúde coletiva, pesquisas clínicas, desenvolvimento de fármacos e equipamentos médicos. Afinal, quem será diretamente afetado por essas escolhas? O Brasil ainda não foi muito longe nesses aspectos. Ainda assim, deve-se lembrar que nos Comitês de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, por exemplo, há o assento do representante dos usuários. Essa posição destina-se a ser ocupada por alguém em condições de participar das discussões para aprovação ou não de pesquisas, idealmente um “paciente” ativo e muito bem informado, pensando nas pessoas que se sujeitarão a elas.
Não bastassem os motivos apontados acima, em um recente artigo de opinião, Len Schlesinger e John Fox (2016) apresentam os custos como outro intrigante motivo para engajar e empoderar o “paciente”, tornando-o sujeito ativo, consciente de suas responsabilidades. Ainda em fase embrionária no Brasil, o modelo de remuneração por resultados em saúde (value-based healthcare/reimbursment, VBHC, em inglês) deixa de pagar por consultas e outros procedimento apenas por terem acontecido, e passa a acompanhar o desfecho e os resultados para então remunerar o prestador de serviço. Portanto, o pagamento dos profissionais de saúde, clínicas e hospitais passa a depender do que foi atingido. Um exemplo disso são serviços e profissionais de endocrinologia/diabetes nos EUA que recebem de acordo com a hemoglobina glicada dos seus pacientes. Por esse motivo, e sabendo que mais de 99% do tempo a pessoa com NCD estará no comando, os autores propõem que se entenda sua dedicação (estimada em 2 horas por dia) como um trabalho que deve estar desenhado para que os melhores resultados sejam atingidos. Enfatizam que, para isso, no lugar de enxergar a pessoa de forma passiva, recebedora de cuidados, deve-se vê-la como ativa e produtora de seus próprios cuidados.
Outra vantagem, levantada pelos mesmos autores, é a redução de custos de saúde com a obtenção de melhores resultados. Para isso, sugerem medidas para motivar, engajar e facilitar a ação dos “pacientes”, incluindo: acesso à informação que precisam para seus cuidados, suporte de um sistema desenhado para ajudá-los a realizar efetivamente o trabalho, feedback e comunicação aberta, e conhecimento de responsabilidades e papéis claros. Recursos tecnológicos, como o uso de equipamentos médicos e aplicativos, são destacados; com o cuidado de lembrar que podem sim tornar o trabalho mais fácil, mas não substituem o papel do usuário [nem o dos profissionais de saúde].
Portanto, quem sabe surja em breve um termo melhor para “paciente”, seja impaciente ou ativente, visto que o sucesso do tratamento, controle, auto-cuidado, manejo ou auto-manejo (prefiro os últimos 3 termos, no caso de NCDs) desse indivíduo extrapola muito a fase de consulta ou internação (quando também ele não deve ter um papel paciente/passivo, se quisermos aumentar as chances de desfechos clínicos e econômicos positivos para todos). Concluindo em conssonância com os autores do artigo: “é amplamente aceito que nunca alcançaremos o objetivo da Meta Tripla – reduzir os custos, melhorar a saúde da população e melhorar a experiência do paciente – sem colocar o paciente [de forma ativa] no centro de seus própios cuidados”.
Referência
Schlesinger, L; Fox, J. Giving patients an active role in their health care. Harvard Business Reviews, 21 Nov, 2016
Dr. Mark Barone
- Doutor em Fisiologia Humana (ICB/USP)
- Especialista em Educação em Diabetes (ADJ-IDF-SBD, UNIP e IDC)
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