Fitoquímicos e DM2

O Diabetes Mellitus tipo 2 (DM2) e suas diversas complicações representam um enorme ônus para os recursos médicos, apesar da grande disponibilidade de medicamentos que atuam com sucesso no controle glicêmico. A durabilidade limitada da monoterapia em longo prazo e os efeitos colaterais indesejáveis ​​dos medicamentos antidiabéticos reforçam a importância de novas abordagens terapêuticas1. Mesmo o uso de múltiplos medicamentos antidiabéticos não são capazes de atingir os alvos de hemoglobina glicada em muitos pacientes2.
Os fitoterápicos representam uma rica fonte de moléculas derivadas de plantas com compostos que possuem potencial terapêutico1, seja na possibilidade de substituir medicamentos existentes ou de abrir oportunidades para o desenvolvimento de novos medicamentos3. Medicamentos derivados de plantas têm sido usados ​​na medicina tradicional há milhares de anos em todo mundo e são as primeiras terapias conhecidas pela humanidade. Os produtos químicos bioativos destas plantas têm diversos impactos fisiológicos no organismo e muitos dos produtos farmacêuticos contemporâneos são baseados em produtos químicos naturais originários de plantas3.
Considerando que o DM2 inclui uma variedade de fatores envolvidos em sua fisiopatologia, existem diferentes abordagens para os fitoquímicos atuarem, e a multifocalização é uma abordagem fundamental para o tratamento do DM2. Os fitoconstituintes são promissores, pois interagem em múltiplas vias simultaneamente4, incluindo a resistência à insulina4,5, disfunção das células β4, efeitos na expressão de miRNAs6, efeitos imunomoduladores5, antioxidantes5 e anti-inflamatórios1,5.
Além do potencial efeito hipoglicemiante dos fitoterápicos, outra premissa é de atuação na prevenção das complicações do DM. A interação entre hiperglicemia, inflamação e estresse oxidativos desempenha papel significativo no início e na progressão das complicações micro e macrovasculares do DM, e ter esta interação como alvo terapêutico é extremamente relevante2,6. O consumo de antioxidantes como os polifenóis são úteis como terapia adjuvante pelo efeito anti-inflamatório e antioxidante2.
Entretanto, a relutância em confiar nos fitoconstituintes ainda permanece como um fator limitante para que tais substâncias sirvam como intervenções convencionais4. Grande parte desta relutância se deve pelos inúmeros suplementos de venda livre com informações insuficientes e sem evidência científica de apoio5. Alguns estudos mostram que os fitoquímicos derivados de plantas ou ervas apresentam muitas vezes propriedades antidiabéticas notáveis in vitro, mas grande parte não exerce atividade biológica suficiente in vivo, seja pela biodisponibilidade reduzida ou por dose não efetiva1. Ainda, muitos estudos testam preparações com combinações de diferentes moléculas, o que dificulta a interpretação dos resultados8.
O uso indiscriminado de fitoterápicos, a falta de conhecimento sobre as interações medicamentosas e potenciais efeitos colaterais e a necessidade de rigor científico na produção e prescrição de fitoterápicos pode trazer riscos. A literatura carece de estudos que identifiquem os ingredientes ativos dos diversos botânicos e seus extratos e seus mecanismos de ação, os efeitos sinérgicos dos constituintes fitoderivados, e perda da bioatividade e biodisponibilidade e, sobretudo, da real eficácia e segurança no uso destes fitoterápicos5. A biodisponibilidade dos fitoquímicos depende do processo de hidrólise e modificação estrutural dos compostos, das interações hidrofóbicas ou hidrofólicas, e também da microbiota intestinal de quem recebe. Novas estratégias emergentes, com mais tecnologia, são uma grande promessa para fechar a lacuna entre dados in vitro e in vivo dos efeitos antidiabéticos dos fitoquímicos1.
O número de fitoterápicos que podem ser empregados no tratamento do DM2 e que merecem mais estudos é extremamente grande7, mas os com maior destaque na literatura científica, e mais encontrados nas prescrições no nosso país, são: ginseng4,7, feno-grego5,7, quercetina1,3,4,5, curcumina1,4,6,8, berberina1,6, resveratrol1,4,5,6, epigalocatequina1,6, genisteína1,4,9, canela4,7,10, gengibre4,11, capsaicina10 e psyllium5,12.
Grande parte dos estudos disponíveis com estas substâncias sugere que a fitoterapia desempenha um papel promissor no controle glicêmico e como terapia integrativa, mas ainda não pode ser considerada uma alternativa aos medicamentos alopáticos tradicionais aprovados para os pacientes com DM27. Ensaios clínicos bem conduzidos usando extratos padronizados são primordiais para investigar a atividade hipoglicêmica e a composição física dos fitoterápicos disponíveis para definir vias específicas e dosagens corretas que garantam segurança e eficácia no uso destas substâncias6,7.
Se por um lado a prescrição de suplementos fitoterápicos isolados ainda carece em grande parte de respaldo científico, por outro lado o incentivo a uma alimentação variada e repleta de alimentos ricos em fitoquímicos deve ser um dos pilares da atuação do nutricionista. O aprofundamento do estudo de substâncias bioativas disponíveis em plantas nos mostra como o consumo de alimentos facilmente inseridos na nossa cultura, como a cebola, a cúrcuma, o gengibre, a canela e a pimenta, podem der adjuvantes no controle glicêmico de pacientes com DM27,10,11,13. Os benefícios dos fitoquímicos quando consumidos na forma de alimentos de origem vegetal na dieta é inquestionável e deve ser incentivado6 enquanto aguardamos estudos mais robustos para prescrição de fitoterápicos em pacientes com DM2.

Referências:

1 – Kong M, Xie K, Lv M, Li J et al. Anti-inflammatory phytochemicals for the treatment of diabetes and itscomplications: Lessons learned and future promise. Biomedicine & Pharmacotherapy 133 (2021)110975.
2 – Arabshomali A, Bazzazzadehgan S, Mahdi F et al. Potential Benefits of Antioxidant Phytochemicals in Type 2 Diabetes. Molecules 2023; 28(20):7209.
3 – Muema FW, Nanjala C, Oulo MA et al. Phytochemical Content and Antidiabetic Properties of Most Commonly Used Antidiabetic Medicinal Plants of Kenya. Molecules 2023; 28, 7202.

4 – Borse SP, Chhipa AS, Sharma V, Singh DP et al. Management of Type 2 Diabetes: Current strategies, unfocussed aspects, challenges, and alternatives. Med Princ Pract 2021;30(2):109-21.

5 – Ota A, Ulrih NP. An overview of herbal products and secondary metabolites used for management of type two diabetes. Front Pharmacol 2017(8):436.

6 – Sivri D, Gezmen‑Karadağ M. Effects of Phytochemicals on Type 2 Diabetes via MicroRNAs. Current Nutrition Reports(2024; 13:444–54.

7 – Governa P, Baini G, Borgonetti V, Cettolin G et al. Phytotherapy in the management of diabetes: a review. Molecules 2018;23(1):105.

8 – Pivari F, Mingione A, Brasacchio C, Soldati L. Curcumin and Type 2 Diabetes Mellitus: Prevention and Treatment. Nutrients 2019, 11, 1837

9 – Ahmed, QU, Ali AHM, Mukhtar S et al.Medicinal Potential of Isoflavonoids: Polyphenols That May Cure Diabetes. Molecules 2020, 25, 549.

10 – Hameed A, Adamska-Patruno E, Godzien J et al. The Beneficial Effect of Cinnamon and Red Capsicum Intake on Postprandial Changes in Plasma Metabolites Evoked by a High-Carbohydrate Meal in Men with Overweight/Obesity. Nutrients 2022, 14, 430.

11 – Carvalho GCN, Lira-Neto JCG, de Araújo MFM, Freire de Freitas RWJ. Effectiveness of ginger in reducing metabolic levels in people with diabetes: a randomized clinical trial. Rev. Latino-Am. Enfermagem 2020;28:e3369.

12 – Kabisch S, Hajir J, Sukhobaevskaia V et al. Impact of Dietary Fiber on Inflammation in Humans. Int. J. Mol. Sci. 2025, 26, 2000.

13 – Ferdowsi PV, Ahuja KDK, Beckett JM, Myers S. Capsaicin and Zinc Signalling Pathways as Promising Targets for Managing Insulin Resistance and Type 2 Diabetes. Molecules 2023, 28, 2861.

Dra Leticia Fuganti Campos
  • Nutricionista;
  • Doutora em Clínica Cirúrgica pela U;
  • Mestre pela Faculdade de Medicina da USP;
  • Especialista em Nutrição Clínica pelo GANEP e em Educação em Diabetes pela UNIP
Treinamento no Joslin Diabetes Center - Harvard;
  • Membro do Comitê de Nutrição da Sociedade Brasileira de Diabetes;
  • Presidente do Comitê de Nutrição da BRASPEN;
  • Preceptora da Residência em Endocrinologia na Faculdade Evangélica Mackenzie do Paraná;

@leticiafuganticampos